Mais uma vez, doeu

Parê
2 min readJun 2, 2022

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Foto de dois gatos, sentados em uma janela grande, com tela de proteção, olhando a paisagem. Ao fundo, é possível ver um prédio, árvores, um gramado e o céu azul, com nuvens. Um dos gatos é branco e grande; o outro, é menor, tem o pescoço e barriga brancos, além de manchas rajadas grandes nas costas, rabo e cabeça.
Shinkai é o da direita. O gato branco é o Pink.

Shinkai era um dos gatos de rua que meu pai alimentava todos os dias. Até que decidiu ser mais que isso.

Aquele gatinho arisco começou a se render aos carinhos e ao cuidado que recebia. Foi ficando, ficando, e logo decidiu adotar meu pai.
Ele não confiava em ninguém, mas meu pai era o humano dele, o tutor, melhor amigo, aquele que o alimentava e dava a atenção que, até então, acredito que nunca tenha recebido.

Meu pai trabalhava o dia todo. O Shinkai? Ficava na cadeira, pertinho dele, esperando um intervalo para se aconchegar em seu colo.

Quando minha mãe faleceu, doeu tanto! E o Shinkai estava lá, com ele, comigo…

Meu pai ficou meses e meses dormindo no sofá.
É que não fazia sentido dormir sozinho na cama que dividiu com mamãe por mais de 25 anos, sabe? E o Shinkai ficava com ele, onde quer que ele escolhesse adormecer.

Mas a vida é cruel. E o Shinkai descobriu isso da pior forma:
Seis meses após enfrentarmos juntos essa dor, ela decidiu levar o humano dele.

Ele viu a casa sendo esvaziada e perdendo tudo aquilo que fazia daquele espaço, seu lar.

Mais uma vez, doeu.

Eu o trouxe para Araçatuba e ele passou a morar com o Bartô, a Blue e o Pink, seus três irmãos adotivos.
A adaptação foi extremamente difícil! E não é para menos: ele estava passando por muitos traumas, muitas mudanças, e teve que aprender a conviver com três gatos mimados… Logo ele, que não se misturava com outros gatos — só com o humano dele.

Shinkai fugiu duas vezes, tinha dificuldade de usar a caixinha de areia e vivia pelos cantos.
Mas, ninguém estava com pressa. Respeitamos seu processo e, aos pouquinhos, ele foi se sentindo em casa.

Sempre que vejo cenas como esta (da foto), faço questão de registrar e comemorar…
Compartilhar a vista da janela pode parecer pouco, mas, para um serzinho que passou por tanta coisa, é uma pequena grande vitória, que significa e ensina muito!

Escrevi este texto aos prantos.
Até hoje, não consigo falar sobre minha dor, meu luto. Talvez, eu tenha escolhido falar sobre a dor do Shinkai, por ser uma forma de falar sobre a minha.

Quem sabe…

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Parê

Garrei amor pelas letras e pela mágica que acontece quando elas se juntam.